Seja Bem Vindo!

Você já pensou em tudo que fez hoje? Levantou cedo, foi ao trabalho, utilizou o transporte público, passou no supermercado e voltou para casa. Quantos idosos cruzaram o seu caminho? Não sabe responder? Talvez seja porque você ainda não tenha reparado, mas eles estão cada vez mais presentes no nosso dia a dia. A tendência é que o número de vovôs e vovós só aumente. Segundo o IBGE, em 20 anos o Brasil terá mais de 30 milhões de idosos.

A possibilidade de que você pode ser, se não um idoso que necessite de cuidados, um cuidador que irá zelar pelo bem estar de alguém já passou pela sua cabeça?

Seja qual for a resposta, damos boas vindas ao blog Cuidadores de Idosos! Espaço para reflexão do tema e compartilhamento de ideias e experiências.

Cuidadores, familiares, profissionais da saúde, idosos... Estão todos convidados a darem sua contribuição. Entrem e colaborem com informações, histórias, pensamentos! Desde já agradecemos sua participação!

Equipe do Blog Cuidadores de Idosos - Aline Braz, Bianca Daga, Camilla Valadão, Nathalia Nonato, Nayara Fernandes e Suellen Mota.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Zélia não tem Zélia na certidão e nem no RG, mas é Zélia!


Por Camilla Valadão

Maria Holanda Pereira de Carvalho é cearense. Mãe de quatro filhos, todos também nascidos no estado do nordeste brasileiro. Veio para São Paulo em busca de melhores condições de vida para a família, e aqui ficou.

Maria Holanda, na verdade, é conhecida por Zélia. Nome que foi esquecido de ser registrado no cartório. Viria após o ‘Maria’. Ironia ou não do destino, a chamam apenas de Zélia. Eu a chamo de “Vó Zélia”.

Vó Zélia tem hoje 79 anos. Serão 80 no último dia do ano. É uma de tantas outras pessoas que envelhecem e enfrentam todas as boas e más coisas desse período da vida. A catarata lhe diminui a visão aos poucos. O diabetes não permite que ela tenha um dos seus grandes prazeres: os doces. Passou por uma fase de grandes dores na perna em que se locomovia com muita dificuldade.

Mas tudo isso pareceria pequeno diante do que estava por vir: um câncer no intestino. A doença foi o início de uma luta diária pela sobrevivência. Em 11 de fevereiro de 2009, Zélia foi submetida a uma cirurgia para a retirada do tumor. Com ele também foi extraído um pedaço do intestino. Menos de uma semana depois, uma infecção nos pontos a levou novamente para a sala de cirurgia. Uma bolsa para os dejetos foi colocada próximo ao intestino, na tentativa de evitar novas infecções. Em agosto daquele ano, Vó Zélia seguiu para a terceira cirurgia para a retirada da bolsa e reconstituição do órgão afetado pelo câncer.

Quando a saúde começa a se estabilizar, surge um novo empecilho. Uma hérnia na barriga é o motivo de mais uma cirurgia em janeiro de 2010. Alguns pontos externos não agüentaram e se romperam, ocasionando uma infecção no final de março e início de abril. Mais uma cirurgia foi realizada para a abertura de todos os pontos e limpeza da área que estava infeccionada. No período de recuperação dessa nova cirurgia, uma hipoglicemia levou Zélia para a UTI. Após o controle da baixa da diabete e a volta para o quarto de hospital, seriam mais dois meses de estadia para a recuperação completa. Vó Zélia voltou para casa no final de maio e início de julho deste ano.

Em menos de dois anos, 5 cirurgias e muitas idas e vindas do hospital. Para uma senhora idosa de 79 anos, ou a saúde é, realmente, de ferro (com alguns trechos mais ‘maleáveis’, é verdade); ou a vontade de não ceder ao ponto final é muito maior. Zélia não é mais uma garota. Ela é a Vó Zélia que tenta continuar firme.

Apesar da força, foram inevitáveis alguns momentos de depressão. O descrédito de que era possível sair bem de mais uma cirurgia e a desesperança, muitas vezes, falaram mais alto por meio da voz embargada, olhos marejados e choros sentidos. Dona Zélia não sofreu sozinha. A família sofria junto.

Todas as debilitações da avó que costumava tingir o cabelo, mas acabou deixando os fios brancos responsáveis pelo novo visual, exigiram muitos cuidados. Troca de fraldas, limpeza dos pontos e curativos, apoio para a locomoção, administração dos horários e doses de remédios, acompanhamento em consultas médicas e nos períodos de internação, dieta balanceada, [...].

A filha mais velha da cearense, Zeli, ganharia um outro papel além do de primogênita. O papel de cuidadora. Zeli, de quase 60 anos, é a cuidadora principal da mãe, dona Zélia. Ela não escolheu o cargo, mas foi escolhida. A seleção natural se deu, basicamente, por uma questão: dos 4 filhos, Zeli é a única que mora com a mãe, na Zona Leste de São Paulo. Ela, a mãe, três filhos e um neto moram juntos em Sapopemba. Além disso, é dona de casa. Zelinda voltou para o Ceará com o marido e as duas filhas. Zenilda e Orlando moram na Zona Sul, cada um com suas respectivas famílias. Ela é micro-empresária, ele é analista de sistema de banco.

Zeli, aos poucos, foi deixando de se encontrar com os amigos para tomar uma cerveja ou para dançar. Os trabalhos com os cuidados da casa e da mãe doente foram preenchendo todo o tempo. Reconhece que é uma tarefa difícil cuidar da mãe idosa por ela ter um gênio forte e, dificilmente, ficar satisfeita.

Nas épocas em que a Vó Zélia ficava no hospital, Zeli era a principal acompanhante que, por sua vez, era acompanhada por uma pilha de livros. Lia por prazer e para passar o tempo. Além disso, auxiliava os enfermeiros nos cuidados com a mãe e aprendia todo o processo de limpar e trocar os curativos, para conseguir fazer sozinha em casa. Os dois meses seguidos que Zélia ficou no hospital, também a filha fez de lá, a sua casa. Na tentativa de não sobrecarregá-la, os irmãos (Zenilda e Orlando) se revezavam em alguns finais de semana (quando não trabalhavam) para a cuidadora principal voltar para casa, descansar e matar as saudades dos filhos e do neto. A filha mais velha de Zeli, Sandra, ficou no lugar da mãe no hospital por uma semana inteira. Percebeu como era difícil ficar lá. “O tempo não passa”, dizia.

Na casa de Sapopemba, as tarefas tiveram de ser reorganizadas. Zeli não estava para tomar conta dos afazeres domésticos. Os filhos é que tiveram de cozinhar, lavar roupa, limpar a casa. Saíram-se bem no desafio.

Cuidar do ente idoso não é fácil. Não é fácil para a avó que sempre foi independente e trabalhadora. A verdadeira administradora de seu próprio lar e família, que, agora, tem de aprender a depender de outros. Não é fácil para a cuidadora que abriu mão de grande parte de sua vida sem ter escolhido por isso. Os desgastes físico e psicológico existem e são visíveis no cansaço e em algumas lágrimas, hora ou outra. Não é fácil para a família que também arca com os gastos financeiros, os revezamentos de cuidados e o emocional abalado por constatar os momentos de fragilidade e risco de morte de um parente.

Sou uma neta. Tive minha avó, muitas vezes, hospedada em casa. A ajudava a levantar para ir ao banheiro, a encontrar a posição mais confortável na cama, a pingar o colírio. Acompanhei seu sono uma noite no hospital. Escutei meu nome de madrugada. Fomos ao banheiro. Passei outro dia em sua companhia no mesmo hospital, mas o quarto já era outro. Arrumava a bandeja do almoço e depois do café da tarde. Limpei algumas lágrimas que corriam pelo rosto dela. Saudades de casa, dos netos e bisneto. Alisava os cabelos brancos. “Vai ficar tudo bem, Vó”.

Cuidar de um idoso pode não ser fácil, mas é o nosso idoso! É a nossa mãe! É a nossa avó! E enfrentamos tudo com uma palavra, que é um sentimento, que é uma razão. Amor.


Maria Holanda Pereira de Carvalho, a Vó Zélia

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